Cântaros de Sal
Poesia e prosa. Fabulações. Notícias da minha cabeça. (Itamar BC)
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Carta para minha mãe

 

Explicação necessária

 

Faz muitos anos que minha mãe faleceu e hoje senti necessidade de escrever-lhe uma carta. Bem se verá a seguir que não se trata, propriamente, de uma carta dirigida à minha mãe. Tudo que tínhamos para conversar, ela e eu conversamos durante anos, e hoje mantemos um silêncio de gratidão e respeito, compartilhado, sem necessidade de palavras. Sinto que estamos em mundos diferentes, mas bem próximos.

 

O carinho que tenho pela lembrança da minha mãe, é o mesmo sentimento que agora professo e estendo a todas as mães:

Feliz Dia das Mães,

meu abraço a todas as mães, neste 8 de maio de 2022.

 

Explicação feita, escrevo a carta. A minha intenção é tratar, com bom humor, de um assunto sério e delicado. Espero que ninguém se ofenda. É apenas um singelo ponto de vista.

A carta

 

Querida mãe,

 

A senhora nem imagina o tanto de novidades que tenho para contar. As pessoas já podem até mudar de sexo, e isso é o prenúncio de outras conquistas maiores ainda. Eu, por exemplo, ultimamente tenho pensado em mudar de,

calma,

mãe,

espere eu acabar de escrever... a senhora é muito apressada.

Eu ia escrever que tenho pensado em mudar de idade, não de sexo. É que eu me sinto muito jovem, e acho um absurdo alguém dizer que tenho 73 anos só porque nasci em março de 1949. E para que eu tenha reconhecido o meu direito de ser jovem nem é preciso alterar a Constituição Federal (deixemos a Constituição em paz). Basta um bom advogado e uma sentença a meu favor.

 

Mãe, desculpe as brincadeiras, mas o assunto agora é muito sério. Tem gente querendo jogar o seu sagrado nome no lixo.  É isso mesmo. E a senhora sabe, ofendeu o seu nome, tem briga.

 

Há quem queira substituir a palavra “mãe” por uma outra qualquer, desde que seja neutra, por exemplo “pessoa lactante”. Sim, e tem que ser “pessoa”, e não “mulher”, pois “mulher” é outro termo politicamente incorreto nesse novo tempo ditatorial da linguagem neutra de “todes”, “elu/delu” para uns, “ili/dili” para outros.

 

Para as certidões de nascimento e documentos em geral, nada de pai e mãe, mas filiação 1 e filiação 2. E no futuro, quem sabe, também filiação 3, filiação 4...

 

E o que dizer da Declaração de Nascido Vivo – DNV? De acordo com a legislação vigente no Brasil ela pode ter a palavra mãe substituída por “parturiente”. Essa foi a decisão do ministro G.M., do Supremo, que assim justificou:

 

“O que se faz necessário é a utilização de termo técnico e neutro para identificar a pessoa que gestou e pariu o nascido vivo.”

 

Foi exatamente isso o que o doutor escreveu. Que coisa, né, mãe? Para o doutor, “a pessoa que gestou e pariu o nascido vivo” pode ser chamada de um termo técnico e neutro qualquer.

 

Entre as novas expressões correntes no meio jurídico há duas que são bem curiosas: “gestação de substituição” e “cessão temporária do útero”. As árvores genealógicas estão se tornando um cipoal, e o Conselho Federal de Medicina, como bom jardineiro da floresta humana, editou em 2017 a Resolução 2.168, em que dispõe sobre as possibilidades disponíveis de troncos e galhos.

 

Mas há outra expressão, mais curiosa ainda, que a linguagem popular consagrou: “barriga de aluguel”. É usada quando o contrato tem caráter lucrativo ou comercial, o que não está previsto na legislação brasileira. Os preços cobrados e os países mais indicados estão na internet.

 

Desde que inventaram a barriga de aluguel a palavra mãe está sendo um estorvo para os legisladores e juristas, pois ela tem no seu significado uma verdade que, para alguns, incomoda e constrange.

 

Mãe, calma, eu explico.

 

Eu não estou condenando os novos tempos de “poliamor” e os novos formatos de família. Minha bandeira é a da liberdade e desejo que todas as pessoas sejam livres e felizes. Apenas temo que os futuros dicionários registrem a palavra mãe classificada como arcaica, em desuso, politicamente incorreta.

 

Espero que as futuras gerações sejam felizes e que amem as filiações 1 e 2.  Mas desejo fortemente que aquele nascido de uma barriga de aluguel ame, também, a pessoa que o pariu com vida e não foi chamada de mãe.

 

Tchau, mãe. Depois escrevo mais.

Itamar BC

 

Itamar BC
Enviado por Itamar BC em 08/05/2022
Alterado em 08/05/2022
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