Eis que tinha chegado o momento de eu me comunicar com o mundo.  A Terra até parou de girar quando vi o meu texto, em letras tipográficas, na coluna estudantil de escritores amadores, no jornal local, na cidade do interior onde nasci.

Ainda guardo o recorte, edição de 29/1/1970. Tinha por título « Tarde, Chuva e Só ».

Na transcrição abaixo alterei o título e a diagramação, mudei algumas palavras, suprimi uma frase inútil e eliminei um verbo que ainda não existe no dicionário. No mais, o texto continua o mesmo e eu continuo o mesmo:

Meu mundo invisível

Chuva que alcanço na porta, seguro com as mãos e, atingido de espanto, fico só e poeta.

Chuva que não comporto em toda sua plenitude de chuva e sou obrigado a repartir com os passos brancura e queda numa tarde instável.

Posso seguir com as águas ou ficar com elas. Em ambos os casos a tristeza é muita, e a perspectiva de equilíbrio faz cair mais chuva.

O tempo, magoado, resvala novos ventos nas águas. Os caminhos andam mais depressa que os passos, levando e lavando espelhos.

Novas brumas envelhecem a tarde. O rosto só, cansado de passear lá fora, volta com o mistério. Eis o telhado aberto em minhas mãos. E subo além dos ombros, além do guarda-chuva, para o trabalho seco quando a chuva cai.

Há um poeta consertando seu telhado, e a canção molhada escorre do telhado são.

Naquela época ouvi a crítica de um sábio das letras. Muito atencioso e criterioso, ele fez a análise desse texto. Foi espremendo, espremendo, a água foi escorrendo entre seus dedos, e terminou explicando que eu escrevi muito sem dizer nada. Só restou em suas mãos um pobre recorte de jornal que, ao fim, me devolveu.

Mesmo assim, tive que continuar vivendo esse meu mundo invisível de pouca concretude, não tenho outro.

Ah, e a Terra não tinha parado (foi ilusão de óptica). Meio século já se passou.