Foi assim que matei meu pé de mexerica
Isso se passou há muitos anos, mas não há como esquecer. E não há como perdoar-me. Tal qual um personagem saído das tragédias gregas, reduzidas as proporções, é claro, apesar das boas intenções cometi um erro fatal.
Depois de alguns anos morando em apartamento, mudei-me com a família para uma casa. Felicidade geral. Muito espaço dentro e fora de casa, para adultos e crianças. Jardim e quintal. E no quintal já encontrei várias árvores frutíferas. Aí começou o amor à primeira vista por uma planta em especial, e caminho para aquilo que os estudiosos da Tragédia Grega chamam de “falha trágica” do herói.
No meu reduzido pomar via-se que tudo ia bem; a mangueira, o limoeiro e a pitangueira, por exemplo. Nada parecia exigir cuidados especiais. Exceto a mexeriqueira, mirrada, poucos frutos, destoava na paisagem. Sim, lá estava ela, aguardando um herói para salvá-la. Senti-me quase um Dom Quixote de la Mancha, não a galope, mas a todo trote, com a missão de evitar sua morte iminente. E essa comparação com Dom Quixote é muito cruel para mim, pois eu nem cheguei a lutar contra os moinhos de vento, nem contra os ventos, devia ter lutado.
O embasamento científico de meus estudos era tirado de revistas especializadas que eu comprava nas bancas de jornais. A internet ainda não existia, mas já me fazia falta (e eu nem sabia que fazia falta).
Dedique-me no estudo, descobri o mistério do 10-10-10, números que podem até ser diferentes na fórmula mágica do NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), testei micronutrientes e diversos adubos orgânicos, preocupei-me com o PH do solo, usei a criatividade para pôr em prática a irrigação por gotejamento, e, até mesmo, certa vez, dediquei um final de tarde lavando com sabão neutro as folhas que estavam ficando enroladas, atacadas por cochonilhas.
Sem mais delongas vamos ao final da história. Meu método científico de como cuidar de um pé de mexerica deu bom resultado, pois depois de algum tempo tive diante de mim um belo exemplar carregado de frutos já quase maduros. Confesso que até tive um sentimento de vaidade, orgulho e soberba, quando comparei meu pé de mexerica com outro, o do vizinho. O vizinho não sabe cuidar de suas plantas, pensei eu, com ar de superioridade. Mas a ilusão durou pouco.
Meus cuidados tinham sido no curto prazo e o Dom Quixote que eu fui só olhou para o chão, não olhou para o céu. Em um lamentável triste dia, bastaram alguns minutos de vento forte, e era uma vez um pé de mexerica. Os galhos não suportaram o peso dos frutos e todos foram ao chão. O tronco principal ficou lascado irrecuperavelmente. Retirei o excesso de mexericas, podei alguns galhos e amarrei outros. Tudo inútil. Fim. O que restou ainda resistiu alguns meses e secou.
Hoje, através da cerca, ainda vejo no quintal do vizinho o outro pé de mexerica, que ainda parece meio abandonado. Ainda bem que estava longe dos meus cuidados.